domingo, 15 de abril de 2012

De coração apertado

Passei sete anos no ensino superior. Entre uma licenciatura pré-Bolonha e um mestrado profissionalizante, os meus pais deixaram rios de dinheiro da universidade que frequentei. Materiais, alimentação, transportes e propinas eram as razões que nos faziam passar a vida de carteira aberta. Felizmente nunca se colocou a hipótese de ter de desistir por falta de dinheiro, mas sei que em alguns meses a coisa não foi fácil. Cheguei ao fim do segundo ciclo de estudos e despedi-me do ensino superior. Os meus pais respiraram de alívio e eu também: estava cansada de estudar e eles de pagar.

Hoje ao ver a reportagem que a SIC transmitiu, intitulada «Abandono Silencioso» e que versava sobre os jovens que desistem dos estudos universitários por falta de dinheiro, confirmei aquilo que já sabia: fui uma grande sortuda. Pude, durante sete anos, fazer aquilo que queria e ganhar as competências necessárias para agora ver o retorno do meu esforço... e do deles. Sabia que não era nada fácil despender tanto dinheiro para os meus estudos todas as semanas, todos os meses, todos os anos, mas os meus pais, a quem agradeço de coração, fizeram-no até ao fim. E, note-se, cá em casa nunca se soube o que era ter uma bolsa de estudo.

Vi na reportagem da SIC alguns alunos que conheci de vista enquando frequentava a Faculdade de Letras de Lisboa e fiquei de coração apertado por perceber que aqueles alunos tinham tanta vontade e tão poucas condições para alcançar o sonho. Já sabia que isto acontecia pois enquanto estudava deparei-me mais do que uma vez com a pobreza de alguns alunos e sempre fiquei fisicamente maldisposta por ver que tantos faziam omeletes sem ovos, que ninguém os ajudava, que passavam mal todos os dias e que passavam fome. Fome, minha gente. Fome a sério. Ninguém devia passar fome, nenhum estudante devia ter de escolher entre as fotocópias de que precisa e o almoço que o vai manter de pé. Mas isto acontece sem que os serviços sociais façam alguma coisa, sem que as famílias se possam espremer mais para descobrir dinheiro onde ele não existe, sem que olhemos com olhos de ver para isto que se passa à nossa volta... E acontece no mesmo sítio onde existem alunos que se arrastam durante anos, que gastam este mundo e o outro em cerveja e que se limitam a passear os livros que raramente chegam a abrir.

Ao ver a reportagem dei por mim a pensar, por exemplo, no dinheiro que o Governo foi investindo em meninos que não queriam estudar nem trabalhar e que frequentavam os Cursos de Educação e Formação nas escolas secundárias precisamente porque ali engonhavam mais uns anos e o Estado Português pagava. Óptimo. Enquanto isso, universitários que efectivamente queriam estudar e dedicar-se a um curso que um dia lhes desse (?) alguma coisa viviam sem um tostão no bolso, sem ajudas, e a acumular dívidas às universidades. As bolsas são risíveis, as propinas só aumentam, os livros não ficam mais baratos e, para cúmulo, a restauração viu o I.V.A. aumentado em dez porcento desde o início do ano.

Isto entristece-me. Sempre tive consciência de que era muito difícil ter um filho no ensino superior, mas estamos a chegar a um ponto em que parece ser impossível. Claro que as famílias também têm de ter alguma consciência da realidade e, nos casos em que isso é possível, evitar vôos que só podem acabar em queda (refiro-me aos casos de alunos com uma família muito numerosa e com meios económicos escassos e que, mesmo assim, resolvem tornar-se alunos deslocados, aumentando consideravelmente a factura mensal para os estudos). Mas mesmo assim, creio que estes estudantes merecem consideração e respeito. Todos sabemos encher a boca para criticar os alunos que nada fazem e que não querem saber dos estudos. Pois estes são o oposto e parece-me que vão sendo muito ignorados. Oxalá a reportagem acorde quem parece estar adormecido, embora me custe a acreditar verdadeiramente nisso...

4 comentários:

  1. Esta situação já corre a algum tempo. Vi essa mesma reportagem, mas talvez por conhecer tambem bem a realidade, não me surpreendeu em nada. Felizmente nunca passei fome, o que posso dizer mais que muitos. Acho que os serviços sociais não estão decentemente preparados para escolher os que merecem ou não a bolsa. O próprio metodo de escolha limitado aos papeis é o mais imperfeito possivel pois só contempla os ganhos e nunca os custos.

    Felizmente, estou no fim do meu curso e já me falta muito pouco para terminar. Mas tambem vejo aqueles que vão ficando pelo caminho. Tambem vejo o quão os que estão no poder motivam os ainda estudante dizendo que os universitários de agora saiem mal preparados. E vejo mais que nunca a falta de nexo na ditribuição das bolsas quando vejo, naquele caso, alunos a passar fome e que lá conseguiram receber uma das bolsas mais baixas e outros com largas posses e que recebem a bolsa para ir para os copos visto que tudo o resto já foi pago sem recorrer a ela.

    Mas isto sou eu que penso assim.

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    1. Heartless, vi muitas bolsas serem gastas em cerveja e tabaco enquanto estudei em Letras. E vi muita gente contar moedas para comprar um dicionário. É triste, mas é o que temos. Os serviços que conferem a bolsa só vêem papel, não vêem pessoas nem realidades e, por isso, uns passam fome enquanto outros são pagos para beber imperiais. : (

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  2. É mesmo verdade. Também eu estudei na FLUL e apercebia-me do mesmo. E o que me entristecia mesmo era haver pessoas a receber bolsas que passavam tardes inteiras nos bares sem se preocuparem um bocadinho com o curso, e outros que queriam e tinham vontade de estudar a fazer contas a vida porque a acção social não tinha chegado até eles. É triste...

    Beijinhos

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    1. Olá Pipa, bem-vinda! Sim, na FLUL era muito flagrante o que sucedia (e sucede). Além de estudar lá, trabalhei lá durante quase um ano e fiquei de coração partido ao ver cenas que incluíam gente a contar as moedas para comprar um dicionário de que precisariam para um teste. Mas depois ia ao bar lanchar e via gente que já lá andava ainda antes de eu ter entrado para a faculdade e que continuava numa vida bastante dispendiosa que incluía cerveja e tabaco aos montes. A vida não devia ser isto, não devia ser tão injusta, mas infelizmente é e quem pode ajudar aqueles que querem efectivamente estudar fá-lo mal. Tenho muita pena destes alunos: querem tanto e recebem tão pouco.

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