sábado, 31 de agosto de 2013

A Segunda Vinda de Cristo: o balanço

Acabei hoje de ler um dos livros que comprei em Viana e que comecei ainda lá. A Segunda Vinda de Cristo, de John Niven, trata disso mesmo: de um regresso de Jesus. Segundo a história, é isto: Deus tira umas férias e quando regressa ao Paraíso informa-se sobre o que aconteceu na Terra nos últimos quatrocentos anos. Como qualquer reles conhecedor de História saberá, nos últimos quatro séculos aconteceram muitas coisas más e, por isso, Deus fica furioso por tudo ter descambado durante as suas férias. Para remediar a situação, decide mandar de novo o filho cá abaixo, com um único ensinamento (que, segundo o narrador, devia ter estado desde logo nos mandamentos dados a Moisés, mas que, por parecer coisa pouca, acabou por desaparecer das tábuas, sendo substituído pelos famosos Dez Mandamentos, os quais seriam então, segundo a narrativa, unicamente da autoria de Moisés): o de que todos sejam simpáticos.

Jesus volta, então, para viver na América do Norte. Regressa apaixonado por rock e por guitarras. Vive com um grupo de amigos, a maioria com problemas com drogas, álcool, obesidade, entre outros. São pobres, mas divertem-se muito. Em determinado momento, alguém sugere que Jesus entre no programa televisivo "Estrela Popular Americana". Fá-lo-á com grande e estrondoso sucesso. Pelo meio, e com o dinheiro que o programa (uma espécie de "Ídolos") lhe rende, ajuda cada vez mais pessoas e espalha a sua mensagem que destrói, no fundo, muito daquilo que é a religião para alguns. Nomeadamente procurará explicar que Deus não precisa de rezas nem de adorações quando na realidade as pessoas estão carregadas de ódio e de maldade. Diz que por muito que se vá à missa, se depois se odiarem os homossexuais, as mulheres que abortam ou os doentes de SIDA, de nada adianta dizer que se é cristão. 

Logicamente, num país onde existem alguns dos cristãos mais fanáticos, estas palavras ditas por um tipo de aspecto meio duvidoso que se diz "filho de Deus" geram reacções diversas, mas simultaneamente uma grande fama para a personagem principal deste romance. Jesus Cristo não vencerá o programa de televisão, mas revoluciona-o e consegue tornar-se numa celebridade. O dinheiro que conseguirá com entrevistas e com a sua produção musical é utilizado num projecto utópico que pretende levar as pessoas a uma vida mais simples, respeitadora do meio ambiente e em comunidade. No fundo, a personagem pretende com um pequeno grupo conseguir passar a mensagem "sejam simpáticos". Com algumas pessoas consegue, com outras não.

Ora, instalando-se no Texas e criando uma comunidade onde existe uma invejável liberdade e tranquilidade sem que outros moralismos ou espiritualidades sejam apregoados, consegue atrair sobre si o ódio dos que não o entendem (muito à semelhança da história da primeira vinda de Cristo). Um pastor local resolve visitar a quinta onde Jesus instalou a sua comunidade e acaba por ver apenas aquilo que quer ver, isto é, os seus olhos sujos enxergam o que ali se passa de forma absolutamente distorcida. De repente, a utopia daquela comunidade passa a ser, aos olhos dos fanáticos religiosos e das autoridades, um amontoado de crimes que é preciso combater e é precisamente isso que fazem, com um enorme banho de sangue. O resto não conto.

Gostei do livro por várias razões. A primeira é por pegar numa personagem "intocável" e fazer dela um ser humano. Jesus, nesta narrativa, diz palavrões, fuma uns charros e bebe cervejas. Se só isto chocar alguém, é melhor nem lerem o livro. Depois, gostei de ver o modo como o autor engendrou uma forma de, à semelhança do que é descrito na Bíblia, o "filho de Deus" vir à Terra para deixar alguns ensinamentos, mudando-nos para melhor e acabar com meia dúzia de seguidores e uma chusma de gente que o acha uma fraude. Gostei ainda do modo como os novos trinta e três anos da sua segunda vida terrena são ocupados com atividades próprias do nosso tempo e como, assim, o autor consegue fazer uma crítica à nossa sociedade. Gostei ainda mais do modo como deixou clara a bizarria que consiste em alguém apregoar-se cristão, sendo depois racista, homofóbico, intolerante, preconceituoso, entre outras pérolas. A crítica que é feita é, no fundo, esta: se Deus existir mesmo, mais do que andarem todos os dias a dizerem que O temem e a passar horas na missa, devem sim ser verdadeiramente bons. Ou, segundo a personagem principal, "ser simpáticos".

Por fim, aquilo de que mais gostei neste livro foi do humor com que é escrito. Algumas das imagens que são dadas são absolutamente hilariantes. Imaginar Deus a ligar a Satanás para fazer troça dos números de entradas no Inferno após a estada de Cristo na Terra é bastante engraçado. 

Enfim, o livro vale por vários aspectos não sendo, obviamente, uma obra-prima da literatura. Devo dizer que a edição tem umas quantas gralhas que chateiam um bocadinho, mas que não afectam a compreensão do texto. Para que este seja lido é preciso humor e distanciamento entre aquilo em que cremos (se é que cremos em alguma coisa) e aquilo que aqui é descrito. É, também, preciso lembrar que tudo isto é ficção e que é, no fundo, uma sátira ao mundo em que vivemos, à falta de valores, às certezas inabaláveis que levam a actos horrendos e ao modo como continuamente cometemos os mesmo erros sem que alguma vez aprendamos a lição. É sobretudo uma leitura divertida que pode deixar-nos com uma série de assuntos em que pensar.




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