terça-feira, 19 de setembro de 2017

O demónio e os livros ou A Menina Sugere Isto XXXII

Falei-vos há uns dias do demónio que se mudou cá para casa. Pois bem, o dito bicho tem um belíssimo e muito útil suporte para livros ou para tablets, de modo a podermos ver séries ou ler enquanto pedalamos.

Livros em papel não coloco lá porque não tenho paciência para virar as páginas quando a única coisa que quero é cair para o lado acabar o raio do programa seleccionado rapidamente. Mas o Kindle tem cumprido lindamente a sua função. E tendo luz no ecrã até posso estar com o quarto quase às escuras que leio na mesma. É maravilhoso.

Com isto tudo, li dois livros desde que o demónio se mudou cá para casa. Ambos de literatura infanto-juvenil, mas de duas colecções de que gosto bastante e que são para lá de conhecidas: Crónicas de Nárnia e Manolito Gafotas. Da primeira li o segundo volume, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa, e da segunda colecção li o quarto livro, intitulado Trapos Sucios. Este tipo de literatura é óptimo para o contexto de leitura de que falo. Enquanto suamos as estopinhas, apetece qualquer coisa que nos agarre sem exigir muito do cérebro, que está concentrado em maldizer a vida realizar o exercício.

Ambas as colecções são muito boas, ainda que completamente distintas. Das Crónicas de Nárnia penso que nem seja preciso falar muito. C. S. Lewis é o autor e os vários volumes desta colecção de literatura infanto-juvenil / fantasia mostram ao leitor dois mundos: aquele de que partem as personagens e que corresponde à vida de todos os dias e o de Nárnia, um mundo completamente diferente, com tudo para ser perfeito, mas frequentemente ameaçado por forças malignas. Este segundo volume é o mais conhecido de todos, até pelas adaptações cinematográficas a que teve direito. Curiosamente gostei mais do primeiro, talvez pelo facto de o enredo ser, para mim, totalmente desconhecido e também por haver uma intrusão da magia no primeiro mundo, no da realidade que conhecemos. São livros bons para oferecer aos nossos miúdos, até por se tratarem de clássicos. É claro que há lá aspectos que são próprios da época da escrita (como os meninos receberem espadas para batalhar a torto e a direito e as meninas só poderem lutar em casos muitíssimo excepcionais, coisa para deixar os fanáticos pela igualdade de cabelos em pé), mas a literatura tem de ter a marca do tempo em que foi criada. Quem não gosta não lê e não chateia. Aos que sobrevivem a estas coisinhas que andam a secar o cérebro de quem tem pouco para fazer, fica a informação de que os sete livros estão publicados pela Presença.


Já para os livros que contam as aventuras de Manolito Gafotas é que não encontrei tradução em Português. Mas, a menos que sejam crianças que não sabem espanhol, lê-los-ão muitíssimo bem na língua original. Manolito Gafotas é uma das personagens literárias mais conhecidas do país vizinho. Elvira Lindo é a autora, mas o narrador é Manolito, uma criança dada aos azares, com uma família perfeitamente normal (dentro da anormalidade) de um bairro de Madrid: Carabanchel Alto. O que este miúdo nos vai contando são as trapalhadas que lhe acontecem, mas fá-lo de tal forma que é impossível não acabar à gargalhada. Desde o irmão pequenino que só é conhecido como «Imbécil» e que apenas fala na terceira pessoa («El nene quiere con Manolito!»), passando pela mãe que tem a mão pesada e não se coíbe de espalhar palmadas a torto e a direito cada vez que há disparate e chegando ao avô que é um excelente companheiro de Manolito, mas que não tem problemas nenhuns em embaraçar a família com os seus «pasodobles», tudo tem graça. Talvez vá dizer uma heresia, mas estes livros lembram-me os primeiros volumes dos diários de Adrian Mole. Embora os livros de Elvira Lindo não sejam diários, mas mais as memórias (o que de si já tem graça) de um garoto espanhol de uma família de classe média-baixa, a inocência com que algumas situações são descritas, o tom coloquial utilizado, as expressões tão engraçadas e tão próximas da oralidade recordam algumas das personagens que conhecemos com Adrian Mole. Manolito faz disparates imensos sem ter consciência deles (as palmadas da mãe acabam por mostrar-lhe o que fez), porém, noutras ocasiões é simplesmente levado para situações risíveis e os seus comentários ao que lhe acontece, o modo como interpreta as suas vivências são absolutamente deliciosos. São livros viciantes. Ao estilo Menino Nicolau, estão divinamente ilustrados e é impossível largá-los. Eu terminei o quarto volume enquanto pedalava no demónio e estou a segurar-me para não me atirar aos volumes que me falta ler.


Nota: A quem também choque muito a mãe do Manolito distribuir sopapos quando ele faz disparate, talvez seja melhor não ler esta colecção. A essas pessoas aconselho... sei lá... olharem para uma parede branca durante todo o dia. Só assim vão garantir que não toparão na literatura com coisas que podem ser entendidas como violência infantil, discriminação racial / sexual / ________ (preencham com o que quiserem), palavras desadequadas a mentes tão puras quanto uma parede branca e outras porcarias que só chocam quem quer ser chocado.

4 comentários:

  1. Nunca li nenhuma das duas séries! Desconhecia o Manolito, mas acho que preciso dele na minha vida.

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    1. O Manolito é uma benção para descansar o cérebro e rir. Há quem diga que é muito escatológico, mas envolvendo crianças, tinha de ter "muco" e "caca". São livros muitíssimo populares em Espanha. Quando eu estudava espanhol na faculdade, lembro-me de ter excertos do Manolito Gafotas nos manuais.

      Os livros bebem-se! Lêem-se tão depressa que lamentamos que não sejam mais extensos. E o que tem ainda mais piada é que praticamente todas as coisas que acontecem na vida do Manolito, seriam plenamente possíveis. Se nos lembrarmos da nossa infância, haveremos de encontrar também uma boa dose de disparates que podiam competir com os do Manelito. Só não teríamos tanta graça a contá-los, provavelmente.

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  2. Conheço o Manolito :DDD
    Há um "equivalente" francês, "Le Petit Nicolas", "O pequeno Nicolau em português". Só li um. Acho que fizeram um filme. Não sei se será tão engraçado. Suspeito que não.
    O Manolito somos nós! Tão bom.

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    1. Também li o primeiro do Nicolas, mas confesso que prefiro o Manolito. É mais engraçado.

      Sim, o Manolito somos nós! Há ali coisas que ele vive em família que me lembram a minha própria família quando lhe dava para disparatar. Ahah!

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