segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Seguiremos em breve

Caríssimos quixoteiros, tenho quixotadas para escrever, mas também tenho uma preguiça do tamanho do mundo. Quero falar-vos dos dois últimos livros que li contudo ainda não vai ser hoje. Entretanto, comecei hoje a ler o famosíssimo Lazarillo de Tormes. Voltarei brevemente, quando a inspiração voltar. 

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

De Génio III

Neste caso, o excerto que se segue é de génio por nos matar de riso. Mais: qualquer professor conhece algum colega que encaixa perfeitamente nesta descrição de John Cleese, o eterno Monty Python, feita na sua autobiografia intitulada Ora, como eu dizia e publicada em 2014 pela Planeta. Mesmo quem não se tornou professor poderá recordar, ao ler o que se segue, os docentes menos vivos que teve No pequeno excerto que vos deixo, John Cleese fala de dois professores com quem teve de ter aulas de Zoologia e de Botânica:

«Ambos eram considerados como sendo em grande medida noctívagos, mas sabia-se que apareciam nas salas de aula durante o dia, circulando um pouco e produzindo até ruídos de fala, embora de tal modo em surdina que nunca se podia ter a certeza de que não estivessem somente a respirar com mais esforço do que o normal. Quem quer que haja pensado que eles eram capazes de controlar uma aula devia ter pedido um reembolso - nem a trabalhar em conjunto seriam capazes de manter a ordem numa turma de ursinhos de peluche, ainda que dispusessem de revólveres. Desde o início que eu e os meus colegas estávamos confusos acerca do que se esperava que fizéssemos: ignorá-los, tentar encorajá-los a esforçarem-se mais ou apenas alimentá-los de vez em quando.» (p. 83)

Biblio-

Encontrei isto no Facebook e gostava muito de indicar-vos a fonte, mas parece que já há várias e portanto... Bom, digamos que isto circula no Pinterest. Adiante.

Para quem não vive sem livros, tem piada saber mais sobre eles e sobre as realidades que a sua existência criou. Ou, simplesmente, sobre as tretas que inventamos porque gostamos mesmo mesmo muito de livros.


sábado, 20 de janeiro de 2018

Internet sem culpa

Eu já vi muitos adolescentes fazerem coisas estúpidas, mas nunca, NUNCA na minha humilde existência poderia imaginar que a PSP precisaria de espalhar uma imagem como esta pelas redes sociais:


Ou que a US Consumer Product Safety Commission precisasse de colocar isto no Twitter:


Jamais imaginei ver fotografias de pizzas com o topping de cápsulas de detergente e nunca me passou pela cabeça que comê-las se transformasse num desafio entre os mais novos. Claro que só podia ser um desafio a ser filmado e colocado na internet para todos verem e aplaudirem.

Vamos lá ver: todos sabemos que a adolescência é comummente chamada de «idade parva» e há uma razão para isso. É que somos todos muito parvos enquanto passamos por ela. Uns com mais disparates, outros com menos, uns com gritinhos histéricos e outros com dramas amorosos de faca e alguidar, todos tivemos a nossa dose de parvoíce nessa altura. Mas parece-me sinceramente que o grau de estupidez está a subir os degraus aos cinco de cada vez. Nunca poderia imaginar que para ser ser porreiro e aceite pelos pares viria a ser necessário comer uma coisa que... Bom, como dizer isto... Serve única e exclusivamente para LAVAR A ROUPA! E que, assim sendo, é tóxica. Não é um alimento. Não é um rebuçado. Pode ser colorido, mas não é bom para comer. 

Até há pouco tempo, os pais tinham de preocupar-se em arrumar bem os detergentes, pois os filhos pequenos podiam, acidentalmente, ingeri-los. Isso terá acontecido muitas vezes com crianças pequenas que, vendo uma coisa colorida, a levam à boca (como fazem com quase tudo). Mas, lá está, refiro-me a crianças pequenas, crianças que gatinham, crianças com menos de meia dúzia de anos e que não têm a mínima noção do que estão a fazer. Não de adolescentes que sabem muitíssimo bem o que é um detergente.

Há quem culpe a internet, como sempre e, nela, as redes sociais. Desta vez não alinho nisso. A coisa é demasiado estúpida para dizer que a culpa é da internet. Ela não lhes pede para comerem detergente enquanto se filmam para mostrarem o vídeo ao mundo. A internet é feita do que as pessoas fazem dela e se algum génio da lâmpada fundida se lembrou de lançar ao mundo tal desafio, espalhando-o pelas redes sociais, os adolescentes que se cruzam com tal proposta têm de ter discernimento para perceber o absurdo da coisa. Desculpabilizar sempre os meninos e culpar a internet é fácil, mas aqui temos de perceber que se através das redes sociais me chega tamanha idiotice, eu, com nove, dez, onze, doze anos e por aí fora, sei que um detergente não é, EM CASO ALGUM, um alimento e que, assim sendo, comê-lo seria, além de ridículo, muito perigoso. O que falta? O desafio de ir ao bosque procurar cogumelos venenosos e comê-los para depois pôr o vídeo nas redes sociais? Haveria, aposto, quem alinharia em tal coisa, o que mostra que andamos a evoluir para trás e que não tarda vai-se-nos o polegar oponível, começamos a encolher e quando damos por nós somos australopithecus, mas mais estúpidos.

Juro-vos que nunca pensei ter de fazer uma quixotada sobre um desafio que passa por engolir cápsulas de detergente. Até custa a escrever isto de estúpido que é. Porém, acho que depois disto já tudo é possível. Parece que só importa que seja viral, que o mundo olhe para o «herói» que engole deliberadamente produtos químicos e que faça uns «likes». É disso que se trata: exibição pura, nem que seja através de um acto absolutamente perigoso e ridículo. O YouTube anda numa fona a apagar os vídeos que já tinham sido colocados com os comedores de cápsulas a cumprirem a sua estúpida missão. Estamos mesmo a chegar a um ponto em que até as redes sociais têm de apagar estes fogos que mentes nada iluminadas (diria até que inexistentes) insistem em atear. 

Quando todos já tiverem comido a sua capsulazinha ao pequeno-almoço, que porcaria inventarão para mostrar a bravura e determinação? Sabe-se lá. Mas também não deve ser preciso esperar muito porque no que diz respeito às ideias da treta, estes miúdos são muito eficientes e rapidamente aparecem com uma ou dez, cada qual mais ranhosa do que a outra. 

Aos doze anos o meu pai já trabalhava. Infelizmente, numa época difícil em Portugal como os anos sessenta do século passado, tinha de ser assim para muitas famílias pouco abastadas para mandarem os filhos estudar. Assim como ele, muitos se fizeram crescidos quando ainda eram crianças e jovens adolescentes. Muitos tiveram de tomar para si uma coragem que nem teriam e, quando chegava a idade, pegar em armas e ir lutar na estúpida Guerra Colonial. Muitos tornaram-se no sustento da família quando o pai faltava ou quando o dinheiro não chegava para criar todos os irmãos. Isto foi há meio século. Cinquenta anos volvidos, a nossa preocupação é a de que os adolescentes não comam deliberadamente as cápsulas do detergente da roupa. Evoluímos? Bem, sim: as crianças já não vão trabalhar. Mas ao que parece agora têm demasiado tempo livre para darem largas à estupidez que têm e que nunca passará enquanto eles não forem mais responsabilizados pela porcaria de decisões que tomam. É que desta vez, desculpem-me, mas a culpa não me parece mesmo da internet. 

Gatica a ser Gatica

E quando quero beber um chá e ler descansadamente o jornal? Acontece isto:



“Daqui não saio, daqui ninguém me tira!”

A Menina Sugere Isto XXXV

A quem interesse, esta está acabadinha de sair e é bem gorda (sendo apenas a primeira parte...):


Vinte Horas de Liteira - o balanço


Fiz uma Licenciatura em Estudos Portugueses ainda no tempo em que elas duravam quatro anos e consegui passar por ela sem cruzar-me com Camilo e com Pessoa. Extravagante, não é? Basicamente, durante muito tempo, o que conheci destes autores resumiu-se ao que me foi apresentado no ensino secundário pela melhor professora do mundo. No entanto, nem o seu talento para o ensino conseguiu fazer os meus quinze anos gostarem de ler o Amor de Perdição, que, na altura, achei a maior das estopadas.

Só já depois desses anos de Licenciatura, já como leitura recreativa e sem qualquer fim profissional, resolvi dar outra oportunidade ao Camilo. Li já vários dos seus livros, reli, inclusivamente, o Amor de Perdição, mas, de todos, aquele de que mais gostei foi este Vinte Horas de Liteira.

Além de haver um encontro muito propício ao surgimento de narrativas várias (encontro esse na liteira que se refere no título e durante as tais duas dezenas de horas que durou a viagem), estas são feitas maioritariamente por um amigo do narrador/escritor que, a propósito de tudo e de nada, vai contando mais uma e outra história que, diz ele, poderão servir ao amigo escritor nuns novos livros ou folhetins. Obviamente, este último bebe-as, tomando-as como inspiração para o seu trabalho de escrita. Mas a graça do livro vai além destas histórias encaixadas dentro da história principal. As referências ao trabalho de escrita e à forma como os autores são recebidos em Portugal, o humor que se exprime nas palavras tanto do narrador/escritor/personagem como do interlocutor que lhe oferece boleia na liteira, as palavras dirigidas directamente ao leitor como se o narrador estivesse simultaneamente a comunicar com o amigo e com quem já lê o que ele narrou durante a viagem e que o autor escreveu enriquecem grandemente o texto, transformando-o em mais do que a soma de alguns contos. Além disto, o final do livro apresenta uma conclusão e, mais interessante, um epílogo que nos explica o que aconteceu com parte das personagens das narrativas secundárias feitas pelo amigo do narrador.

A dualidade interessante e curiosa entre a capacidade de reflexão e de dissertação do narrador e a simplicidade do interlocutor que, ainda assim, adapta o estilo da narrativa consoante conte uma história de amor ou de outro tema enriquece sobejamente o livro. Aliás, os diálogos entre os dois amigos são, por vezes, tão espontâneos que parece mesmo que estamos a assistir a uma conversa entre duas pessoas que se conhecem e que trocam histórias conhecidas ou vividas entre si. Desde pedidos de esclarecimento, a interrupções, a correcções, tudo o que é próprio de uma interacção oral aparece aqui. Claro que, além disso, temos a riqueza de vocabulário de Camilo que, para alguns pode representar dificuldade, mas que se supera olhando para o contexto (que é sempre o melhor caminho a seguir). Também temos a sua fina ironia, a referência sarcástica a alguns elementos conhecidos... Enfim, tudo isto para dizer-vos que este livro tem que se lhe diga do início ao fim. Começando pela situação em que a conversa tem mesmo de surgir, passando pela forma como uma das personagens alimenta deliberadamente a bagagem de histórias do narrador e que, um dia, verá vertidas em folhetim, e pelo modo como em determinada fase da obra o próprio narrador experimenta na pele o final de um dos contos iniciados pelo amigo, tudo faz sentido e tudo é bom. É um bom livro e é Camilo a mostrar por que motivo é ainda hoje um dos nossos maiores. Acredito que este Vinte Horas de Liteira fosse muito peculiar na época em que surgiu pela primeira vez. Contar histórias é coisa que sempre se fez, mas contá-las e ouvi-las tendo como fito o trabalho de escrita, partilhando-se conselhos que o escritor deve seguir ao passar do oral ao escrito, enfim, aproveitar histórias curtas para abordar a questão da inspiração, da escrita e do trabalho que ela exige parece-me muito moderno. 

Por tudo isto, é um livro que sugiro. Além de ser um dos nossos maiores autores, é um livro riquíssimo em histórias e em personagens, mas também em aspectos mais técnicos e já entrando no campo da narratologia e da teoria literária. Seja como for, é uma boa leitura e, se já antes estava voltada para perdoar o autor pelo tormento que foi o Amor de Perdição nos tempos da adolescência, agora sou eu que lhe peço perdão pela minha profunda e ingénua ignorância.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Brinquedos

Há fabricantes de brinquedos que devem ter paragens cerebrais de tempos a tempos. A fabulosa aplicação “Bored Panda” brinda-nos com mais de trinta brinquedos que têm, para ser sucinta, um design questionável. Ora espreitem aqui e digam lá qual é o vosso favorito. Eu estou pelo “Elmo raptor” e pelas matrioskas.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Sem ideias

Como disse na última quixotada, acabei de ler A Família Golovliov. No Kindle continuo a ler o livro sobre a Guerra Civil de Espanha cuja capa podem ver aqui ao lado. Portanto, agora preciso de  iniciar um novo livro em papel (só leio no Kindle à noite, antes de dormir), mas estou incapaz de escolher qual será. Estou desde o fim da leitura de A Família Golovliov a despachar revistas que tinha por terminar, mas queria começar a ler um livro no formato tradicional e não me sinto impelida para nada em particular. É o mal de ter muita escolha e de ter, sobretudo, acabado um livro muito bom. Quando lemos livros espectaculares, queremos manter a fasquia elevada e a escolha passa a tornar-se um problema. A verdade é que livros maus ou menos bons vão sempre cruzar-se connosco, mas se pudermos evitá-los o mais possível tanto melhor. Portanto, aqui estou sem ideias. Qualquer pessoa normal pegaria num livro ao acaso e pronto. Mas os leitores fanáticos não se regem por tais parâmetros e precisam de sentir que estão a mergulhar no livro certo no momento ideal. Uma complicação exclusiva a leitores que precisam de livros como de oxigénio. 

Agora vou ali plantar-me diante das prateleiras à espera de uma iluminação superior que me conduza ao livro certo para hoje e para os próximos dias. É coisa para demorar um bocado, parece-me. 

Pequena partilha de que me lembrei agora: há quem coloque num frasco papelinhos com os títulos dos livros que tem e tire um à sorte cada vez que tem de escolher a próxima leitura. Bom, além de não ter nenhum frasco com capacidade para tantos papelinhos e de, provavelmente, precisar de uma tômbola, creio que faria muita batota com esse método, repetindo o sorteio até sair um título que me agradasse naquele instante. Mas admiro os leitores que se entregam assim ao acaso, acatando o que este ditar. Acaba por ter uma componente misteriosa engraçada, todavia conheço-me e sei como a coisa acabaria. Portanto, prateleiras, aí vou eu!

A Família Golovliov - o balanço


Há personagens literárias que são inesquecíveis, quer pela grandeza dos feitos, quer pela pobreza de espírito. Umas ficam na memória pelas melhores qualidades e outras ainda pelos piores defeitos. Lembro-me de ficar impressionada pela crueldade de Heathcliff em O Monte dos Vendavais, por exemplo. Recordo-me da maldade e do desdém com que Mildred Rogers trata o protagonista do romance Servidão Humana. Lembro-me de ficar emocionada com a sinceridade de Sancho Pança ao admitir que o amo é louco, mas que o quer mais do que às fibras do seu próprio coração e que, por isso, não o pode deixar. Estas são, por tudo isto, algumas das personagens literárias que, ao serem tão bem construídas, ao aproximarem-se tanto daquilo que nos torna humanos, ficam na nossa memória. Creio que são precisamente estas figuras capazes de espelhar aquilo que podemos ser as que mais nos arrebatam durante a leitura e que transformam alguns livros em verdadeiros «criadores de emoções», como se aquelas personagens fizessem de facto parte da nossa vida e, assim, nos enervassem ou nos comovessem realmente.

Em A Família Golovliov encontramos, como o título afirma, uma família. Além disso, encontramos um lugar: Golovliovo. Ambas as coisas parecem ser suficientes para uma criação literária que provoca no leitor as mais variadas emoções. Se é inevitável rir perante alguns absurdos, também não se consegue evitar a raiva que provoca tanta mesquinhez e hipocrisia juntas numa única personagem. Porfírio, normalmente tratado por «sanguessuga» ou «pequeno Judas», sempre deixou a mãe desconfortável. Havia algo no seu olhar, na sua calma que a preocupava. Ao mesmo tempo e embora soubesse desde sempre que aquela criatura era dissimulada, Arina Petrovna, a mãe, sempre se deixara enredar nas suas palavras melífluas, fazendo exactamente o que ele queria e quase sem se dar conta disso. Não que esta mãe seja o cúmulo da ingenuidade, nada disso. É, até, bastante matreira e está  bastante atenta ao que acontece à sua volta, na tentativa de conseguir os maiores lucros e, assim, aumentar os seus rendimentos. O facto de Arina Petrovna ser uma das personagens que se deixa levar pela hipocrisia de Porfírio é menos a prova da sua simplicidade e mais a de que ele é, efectivamente, um grande manipulador. 

Creio que não há uma página deste livro, no qual se conta a história desta família, que não revele a personalidade mesquinha, hipócrita e manipuladora de Porfírio. Escondida atrás da religião, do temor a Deus, de orações recitadas sem verdadeira fé ou ditas diante dos ícones, mas contrariadas por acções desprezíveis no minuto seguinte, esta personagem passa todo o tempo da narrativa à procura de colher benefícios. Mais: procura-os mesmo onde ainda não é assim tão evidente que possam estar. Pretendendo ser um bom cristão, um homem de fé e um familiar preocupado, Porfírio não dá ponto sem nó e, aos poucos, vai conseguindo sempre o que quer, ao ponto de acumular ganhos consideráveis. É um «farejador» capaz de lucrar sempre com a desgraça alheia, seja a dos irmãos, a dos filhos ou mesmo a da mãe. Passa os dias entretido em cálculos absurdos que, além de procurarem manter controlados os ganhos e os gastos, imaginam formas de aumentar os primeiros e de diminuir os segundos. Faz contas absurdas que o levam a perceber coisas estapafúrdias como quanto ganharia ele se todas as vacas da zona morressem à excepção das suas e se estas começassem a produzir o dobro do leite. Desenvolve cálculos cujas parcelas podiam ser «e se...», pretendendo apenas manter o cérebro ocupado, ainda que nenhuma daquelas contas vá realmente ajudá-lo na vida diária.

Não pensar é, precisamente, uma das tarefas que as personagens desta obra mais procuram desenvolver. E por isso jogam ao burro, falam sobre o tempo, usam provérbios e frases feitas até lhes esgotarem o pouco sentido que têm. Também por isso muitas usarão a vodka como forma de escapar à vulgar e triste realidade. Evitar pensar é mesmo o mais importante para as personagens que nasceram e viveram em Golovliovo e que, mais tarde ou mais cedo, lá vão para terminar a vida. Aliás: podemos afirmar que aquela propriedade familiar que Porfírio tanto deseja que se torne sua é mesmo um lugar de morte, um espaço onde a capacidade mental se deixa adormecer até que também o corpo morra. Apenas Porfírio parece ir sobrevivendo a tantas sepulturas que à sua volta vão nascendo, sempre afirmando que ele é piedoso, que ele respeita Deus, que ele é humilde e virtuoso. Na realidade, Porfírio é o mais apodrecido de todos quantos nos passam à frente durante a leitura. É ele que concentra em si a capacidade de influenciar os outros e apenas com palavras que são, sempre, repetitivas, vazias, aborrecidas. Se Porfírio vir alguma hipótese de lucrar com uma dada situação, então tentará fazê-lo, mas não com o uso da força: apenas com o uso de palavras doces carregadas de veneno e de más intenções. Se um familiar morre e ele é o herdeiro, Porfírio levará a herança até ao último botão, escudando-se em Deus e nas suas vontades, rezando depois de mãos postas pela alma que partiu e que era tão boa, mas... Com ele há sempre um «mas». Mesmo quando ora pelos outros, esta personagem consegue falar mal deles, dizendo coisas como: a mãezinha foi tão boazinha e teve uma morte tão santa, mas... Podia ter escolhido outra altura para morrer que nesta não me dava jeito nenhum, a malvada! Porfírio é um hipócrita e chegamos a um ponto em que não percebemos se esta sua hipocrisia é consciente ou inconsciente, isto é, se é por deliberada maldade ou se, por outro lado, ele só sabe ser assim. A verdade é que esta é daquelas personagens capazes de nos deixar à beira de um ataque de nervos. Ora quase nos mata de tédio com as suas longas conversas desprovidas de interesse, ora quase nos mata de raiva por ser tão mesquinho ao ponto de querer tirar lucro de tudo, seja seu ou não. Mesmo quando só lhe resta a solidão, mesmo quando já não existe o fito de deixar o que é seu a outros, Porfírio continua numa espiral de ganância, dizendo a quem pode que nem tudo o que parece é e que se a uns pode parecer que até tem uns dinheiritos, tudo contado pode ser que até nem tenha nada e que ainda precise de ajuda. Mesmo sabendo nós, leitores, que ele é um grande proprietário e que podia, com os seus haveres, ter tido uma vida sossegada, sem se afadigar em conseguir mais e mais e mais.

Se lerem este livro, verão que não mais esquecerão esta figura. Verão que a forma dissimulada como procura entrar na consciência dos outros e alterar os seus actos é muito enervante. Mas encontrarão, sobretudo, uma história bem contada, divertida em vários momentos e capaz de nos fazer pensar na questão da hipocrisia, sobretudo daquela que, ligada à religião, mostra alguns homens que se julgam mais merecedores do bem e sem a necessidade de darem nada em troca. Como disse, não sabemos verdadeiramente se Porfírio tem consciência desta sua ganância e da sua hipocrisia crescente ou se considera, por outro lado, tudo muito normal e dentro daquilo que tem mesmo de ser. É uma incógnita. O que ele é, sem dúvida, é um tipo chato que é perfeito enquanto personagem, que cumpre o seu papel num livro fantástico e que, provavelmente, consegue como poucos um lugar na memória dos leitores. 

Este é, portanto, um dos livros que vale a pena ler em 2018. Foi reeditado recentemente pela Relógio D’Água, por isso o meu conselho é o de que não esperem muito para ir conhecer Porfírio e a sua terrível mãe que desconhece o amor maternal, limitando a sua tarefa a «atirar uns ossos» aos descendentes, esperando que não mais a aborreçam. E mais não vos conto. Leiam o livro. Contudo, deixo ainda um conselho: se na vossa edição estiver, como naquela cuja capa aqui deixo, uma introdução de James Wood, leiam-na no fim ou ficarão a conhecer demasiados pormenores da história ainda antes de a começarem.

domingo, 14 de janeiro de 2018

A caça às bolas

Desfazer a árvore de Natal teve, este ano, uma nova estapa: a caça à bola roubada. Sem pistas, podia haver bolas estacionadas em qualquer divisão da casa e sob qualquer peça de mobiliário. Os promotores do jogo? Os gatinhos, claro. É que se conviveram relativamente bem com a árvore até ao Ano Novo, depois disso foi o descalabro. Parecia que sabiam que em breve aquilo era para desfazer e atacaram em força, roubando os enfeites que podiam. 

Lá encontrámos quase todos. Deixámos-lhes apenas uma bolinha que já nem tinha a parte para pendurar. É o novo brinquedo favorito destes Bonnie & Clyde que tenho cá em casa. 

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Primavera antecipada

Um dos meus vizinhos (ou de baixo ou de cima) terá sido presenteado na quadra natalícia com nada mais, nada menos que um canário. E como é que eu sei? Bom, o pequeno canta que se farta. Mas canta bem! E, felizmente, não tem os horários trocados, o que é bom. É até muito melhor do que o relógio de pêndulo que a vizinha de baixo tinha. 

Assim, de manhã, lá se ouve um chilrear simpático. Começa cedo (pelas oito já ele puxa pela voz), mas como não soa assim tão alto devido ao facto de não estar no mesmo andar que eu, a coisa leva-se e com alguma graça. Consegue soar mais baixo que o já referido (e extinto) relógio cujas badaladas punham o prédio em sentido de quinze em quinze minutos. 

Tem ainda mais graça porque, num dia como o de hoje em que a chuva deu alguma trégua e o sol apareceu, parece que temos por aqui uma Primavera antecipada, com o canário a esfarrapar-se todo para dar conta disso no seu canto. Está é um frio dos diabos, mas isso nem o pobre passarito pode resolver. 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Surreal, mas expectável


Hoje os meios de comunicação social têm estado a divulgar este vídeo e a história que o explica: na reunião de professores de uma escola do Luisiana, uma docente questiona o aumento de salário do director do estabelecimento de ensino. Conforme explica, os professores e restante pessoal (auxiliares, funcionários da cantina, entre outros) não são aumentados há muitos anos e esta subida de 32 000 dólares anuais do salário do director custa a compreender perante tal cenário. A docente explica que o trabalho dos docentes é exigente, que lidam com muitos alunos por turma e faz ver o seu ponto de vista de uma forma assertiva, mas educada.

O que se segue é digno de um mundo paralelo onde reina a loucura: a professora é detida, deitada ao chão por um polícia, algemada e levada da escola. A razão? Aparentemente ter questionado a razão do aumento salarial do director do estabelecimento. Apenas isso.

Confesso que ao ver as imagens fiquei boquiaberta. Ainda assim, ao fim de alguns segundos fez-se luz na minha cabeça e a memória trouxe-me aquilo de que precisava para perceber que inevitavelmente este dia chegaria. A loucura que acontece no mundo laboral acabaria por trazer-nos a este paroxismo de desrespeito pelas liberdades básicas de cada um. Bastou-me recordar como a palavra da administração de um colégio privado é lei, mesmo que essa palavra seja absurda e vá contra tudo o que é viável e aceitável num contexto educativo, para perceber que estávamos há muito tempo com um pezinho nesta loucura. Nunca vi nenhum professor ser retirado assim de uma sala por colocar uma questão, mas vi professores impedidos pela polícia de entrarem no seu local de trabalho sem se perceber bem porquê. Vi pessoas vigiadas e impedidas de falar enquanto arrumavam os seus objectos depois de serem convidadas a abandonar o recinto escolar. Enfim... Vi superiores hierárquicos ofenderem e ameaçarem sistematicamente os seus funcionários, tratando uns de uma forma e outros abaixo de cão apenas devido à empatia sentida por uns e não por outros. O profissionalismo, em muitos estabelecimentos de ensino, não interessa e não garante uma vida profissional tranquila. Do que conheço, o contrário até é mais comum: quem não alinha na loucura está constantemente num equilíbrio instável que não mata mas mói. 

Chegámos a um ponto em que os docentes, além de terem de preocupar-se com o seu trabalho, com turmas incrivelmente grandes, com a crítica que a sociedade lhes faz por maus resultados escolares, com os pais que têm um entendimento da escola muito diferente do que seria saudável e aceitável, têm também de preocupar-se em sobreviver aos mandos e desmandos dos superiores hierárquicos. Os professores sentem-se terrivelmente desprotegidos, mesmo quando sindicalizados. É muito difícil provar muito do que acontece dentro de quatro paredes e assim se vai dando cabo da saúde mental de muitos funcionários que, como eu, preferem sair mentalmente bem em vez de aguentar porque o salário dá jeito e acabar por bater no fundo.

O caso desta professora norte-americana é abominável e espero que os responsáveis paguem pelo que fizeram. Mas além dela, muitos outros, professores ou não, são diariamente maltratados nos seus locais de trabalho. Ou porque falam, ou porque calam, ou porque simplesmente não caíram nas graças dos seus superiores, muitos sofrem hoje nos locais onde passam a maior parte das horas do dia. O mundo laboral é difícil e feito de muito silêncio e de muito sofrimento. Era tão importante que se pensasse sobre isso. Não é só o valor dos salários que importa, ainda que importe muito: as condições que nos são proporcionadas são também de uma importância vital. Basta pensar que passaremos dezenas de anos da nossa vida a trabalhar e que se esse tempo for uma verdadeira tortura, como tantas vezes sucede, então grande parte da nossa existência será marcada pela infelicidade e todos sabemos que é muito difícil deixar completamente o trabalho fora de casa... Era, por isso, importante que situações de assédio laboral ou de discriminação fossem combatidas com maior vigor e eficácia. A saúde mental da população agradeceria.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Istambul - o balanço


Terminei ontem o livro Istambul - Memórias de Uma Cidade, de Orhan Pamuk, autor vencedor do Nobel da Literatura de 2006. Gostei muito do início, mas depois surgiram-me alguns «mixed feelings». E porquê? Já lá vamos. Primeiro deixem-me falar sobre aquilo de que gostei mais.

No fundo, o que Orhan Pamuk fez com este livro foi um entrançado que uniu as suas memórias às de uma cidade que muito mudou durante o período da sua infância e juventude, mas que já estava em grande mudança quando nasceu. O ponto de partida é o de que a nossa existência está irremediavelmente ligada a um lugar e que, por isso, ele nos afecta, nos molda, nos muda. Istambul agiu sobre ele tanto ou mais que a família em que nasceu ou os estudos que fez. A cidade, a sua melancolia, a sua dualidade entre orientalismo e ocidentalismo, a queda do império otomano e as marcas que permaneceram em todos os lugares por onde passou, mas sobretudo nas pessoas que tiveram de aprender a viver numa nova cidade, numa Istambul em constante mudança e em busca de identidade, enfim, a soma de todos esses aspectos interferiram na sua personalidade. É por isso que este livro tem memórias do autor e factos ou sensações sobre a cidade: ele nunca deixa de ver-se como um ser humano envolvido num determinado local num determinado período de tempo e, portanto, a sua história pessoal é também feita da história da cidade. 

Ao longo do livro, vamos sendo apresentados a aspectos de Istambul que, de alguma forma, exerceram algum tipo de influência sobre Pamuk. Quer fossem os vestígios do antigo império otomano que os ocidentalistas queriam apagar ou os prédios recentes que substituíram os velhos edifícios, mudando o horizonte da cidade, nos trinta e sete capítulos do livro, o leitor pode percorrer a história da cidade e tentar perceber a luta que nela se travava entre o passado grandioso e o futuro incerto, dividido entre oriente e ocidente, sem se saber muito bem se o modelo a seguir devia ser o europeu ou outro. 

A acompanhar todo o texto estão dezenas de fotografias a preto e branco, algumas do próprio escritor e outras de conhecidos fotógrafos (isso surge explicado num texto final). O facto de serem a preto e branco não tem apenas que ver com o facto de serem antigas, mas também com o sentimento que Istambul causa em Pamuk: um sentimento sem outras cores que não as duas das fotografias, como se a cidade estivesse mesmo encravada num tempo passado sem perceber bem que outro caminho seguir. Portanto, o leitor consegue acompanhar visualmente as memórias evocadas, refira-se ele a antigas casas do império otomano ou mesmo a pinturas de visitantes que ao longo do tempo se deixaram apaixonar pela cidade. Deste modo, acedemos às suas vivências, ao modo como elas se ligam a Istambul e vemos, inclusivamente, como eram certos pontos da cidade noutros tempos.

Claro que, observando o título da obra, não podemos esperar outra coisa que não memórias de Istambul. No entanto, inicialmente ficamos com a sensação de que as memórias do autor, ainda que ligadas às da cidade, terão um maior destaque. No entanto, em alguns capítulos, a leitura torna-se mais aborrecida porque o autor fala de aspectos que estão muitíssimo afastados do que conhecemos e porque não me parece que a contextualização seja assim tão bem feita. Quando, por exemplo, fala de certos autores antigos e caídos em desgraça, penso que se alonga demasiado e, como não são escritores de que falemos todos os dias, fica a sensação de que valia a pena saber um pouco mais sobre eles e sobre a importância que têm na literatura turca. Mais: por vezes, Pamuk escolhe um tema e disserta sobre ele de uma forma que me soou repetitiva. Algumas ideias surgem repetidas ao longo destas memórias, mas não de uma forma muito interessante. 

Contudo, a característica do livro que mais me decepcionou e cuja responsabilidade não é tanto do autor como das editoras prende-se com a necessidade de o leitor precisar, hoje, de um mapa da cidade que lhe mostre onde são os subúrbios e onde está o centro; que situe espacialmente alguns dos bairros pobres que são nomeados, mas que não sabemos onde estão; que indique em que zonas da cidade ficavam as diferentes casas onde Pamuk viveu. Se nos diz que, mudando a situação financeira da família, mudou várias vezes de casa e se nos mostra que os diferentes apartamentos e as vistas que observava pela janela foram importantes para si, seria importante para o leitor poder perceber esse seu itinerário. Não bastam os nomes dos lugares se não conseguimos relacioná-los com um espaço. Claro que poderíamos procurar nós essas informações, mas considerando a quantidade de nomes referidos, seria um trabalho moroso que mataria o prazer que a leitura tende a trazer.

Assim, esta falta de um mapa que nos facilite a leitura, a repetição de algumas ideias e a falta de informações que levem o leitor comum a perceber melhor a importância daqueles que o autor refere como sendo importantes para a cidade (isto acontece mais no campo literário) tornam por vezes a leitura aborrecida. Mesmo assim, o livro é interessante até porque compreendemos que uma cidade tão embrenhada em mudanças constantes exerce um poder incrível sobre os seus habitantes, especialmente os que nela nascem e crescem. Creio que precisava, apenas, de que aqueles aspectos referidos fossem trabalhados de outro modo. Mesmo assim, para quem gosta de ler sobre outros lugares, é um bom livro. Não esperem propriamente um livro de viagens daqueles a que estamos habituados. Esperem as memórias de um lugar que passou por muito. O título não engana.

domingo, 7 de janeiro de 2018

A Menina Sugere Isto XXXIV

Os meus gatos têm tantos, mas tantos brinquedos. E, como gatos que são, geralmente preferem aquilo que não custa dinheiro, como as caixas das encomendas ou as rolhas das garrafas... Mas nós insistimos e no Natal lá vem uma prenda para eles. Há anos em que é maior e outros em que é pequena como umas latitas de atum.

Neste Natal, precisámos de fazer uma encomenda de ração e de saquetas à Zooplus. Por isso, aproveitei para escolher o presentito deles. Com a ração do Senhor Gato veio gratuitamente um circuito da Royal Canin a que eles não ligaram um caracol (ainda bem que não custou dinheiro). Contudo, eu já andava de olho num túnel e sempre achei que devia ser brinquedo de que deviam gostar. Felizmente, não me enganei. Escolhemos este, que até estava (e está) em promoção.

(Retirei a foto do sítio da Zooplus, pelo que o gato esparramado não é meu.)

Desde que o receberam tem sido a loucura: dormem dentro do túnel, perseguem-se pelo seu interior, passam tardes ou noites inteiras na almofada externa, atacam com veemência os penduricalhos com guizos que estão em cada uma das extremidades do túnel... Enfim, têm dado uso ao presente, que é coisa que geralmente não acontece, ou que sucede durante um par de minutos até ficarem perdidos de amores por um guardanapo que cai ou por uma bola de Natal roubada. 

O túnel é feito num tecido fofinho e quentinho, o que ajuda a explicar as valentes sestas que nele fazem. Limpa-se facilmente o pelo caído passando uma luva (daquelas da louça ou de latex) na superfície do túnel. O diâmetro também é porreiro para gatinhos grandes como o meu. Foi, portanto, um presente bem escolhido e os felinos estão delirantes com o novo refúgio que lhes arranjámos.

Se procurarem alguma coisa para oferecerem aos vossos bichanos, aconselho-vos isto. Um arranhador vertical também é uma boa escolha, mas já têm e passam mais tempo sem pôr lá as patas do que a usá-lo. Acho mesmo que o maior sucesso de sempre foi mesmo este. Se nunca compraram na Zooplus, experimentem porque compensa. Apesar de em tempos terem trabalhado com uma distribuidora que era boa para trazer a morte, agora penso que as coisas funcionam melhor. Claro que podem sempre procurar outros brinquedos do género noutras lojas de animais que conheçam. O que importa mesmo é que os gatinhos gostem e que se divirtam. 

Em busca de lugar na estante XI


A Alfaguara publicou em Outubro do ano passado este volume de contos inéditos de F. Scott Fitzgerald. Alguns estavam em documentos pertencentes a colecções particulares, outros faziam parte do espólio do autor em Princeton. Por várias razões, não foram publicados durante a sua vida e foi há relativamente pouco tempo que uma estudiosa da sua obra (que assina o prólogo) foi convidada para publicar estes textos. Para isso, acedeu a toda a documentação e pôde inclusivamente assistir ao trabalho de escrita do autor, na medida em que alguns dos contos nunca publicados tinham, nos seus originais, anotações de Fitzgerald com alterações a realizar. Assim, deste livro, além dos contos, fazem parte algumas fotografias dos manuscritos do autor, bem como imagens do próprio escritor. O volume inicia-se com um prefácio que procura explicar a razão pela qual estes textos permaneceram inéditos durante tanto tempo. Segue-se, então, uma breve explicação do método de trabalho utilizado para os reunir num volume tão posterior ao desaparecimento do escritor. O livro termina com notas explicativas referentes a cada um dos contos e que ajudarão, com certeza, a compreendê-los melhor.

Encontrei este livro ontem por um preço simpático na loja de livros usados que fica aqui perto. Como adorei O Grande Gatsby, nem pensei duas vezes em trazê-lo. Todos os anos, na Feira do Livro, penso em trazer outros volumes que ainda me faltam e que estão publicados na Relógio d’Água, mas não sei bem porquê, acabo por deixá-los sempre lá. Além deste e de O Grande Gatsby, tenho ainda o Este Lado do Paraíso e Um Diamante do Tamanho do Ritz, que é também um volume de contos. Os outros acabarão por vir também um dia. Por agora, só este procura um lugar aconchegadinho onde dormir.

PS.: Fica de presente de Natal atrasado para mim própria, já que este foi um Natal sem livros.

sábado, 6 de janeiro de 2018

Chora, Camões, chora XIX

Notíciário das cinco da tarde de hoje na M80:

“Donald Trump já SE VEIO defender...”

Além de ser uma construção horrível e que soa muito mal, está gramaticalmente errada: quando existe um verbo auxiliar, o pronome coloca-se junto ao verbo principal. Assim, o que não magoaria os nossos pobres ouvidos seria “Donald Trump já veio DEFENDER-SE...”. É que, neste caso, além de tudo a língua portuguesa é muito traiçoeira e é necessário ter cuidado com ela. 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

A menina ia querendo isto

No Facebook apareceu-me uma publicação da Relógio d’Água que referia a saída deste livro:


Ao ler a descrição do livro, preparei-me para escrever um “A Menina Quer Isto”, mas algo me soava familiar... Fui, então, consultar a lista dos livros que tenho e descobri que já tenho este livro há anos nas minhas estantes, sem que o tenha lido. Acho que será o próximo a ler. 

Já aqui falei deste problema próprio de quem tem muitos livros (e reparem que “muitos livros” é diferente de “livros a mais”, coisa que nem sequer existe): começamos a não ter memória suficiente para todos os títulos nas prateleiras. No meu caso, a lista foi uma enorme ajuda e já me impediu várias vezes de comprar livros que havia cá em casa. É que se há aqueles que sabemos, sem dúvida, que temos, outros há que por serem menos conhecidos ou por outras razões se escapam da nossa memória. 

Existem pessoas com muitos livros que não concordam comigo, que acham que sabem e saberão sempre os títulos que têm. Pois, isso aconteceu-me talvez até aos quinhentos livros. Mas à medida que a biblioteca foi crescendo, a capacidade de me lembrar de todos os livros cá de casa foi-se. Além de que, em determinado momento, os meus juntaram-se aos do moço e a biblioteca aumentou. Mais: alguns livros fazem parte de colecções numeradas. É difícil uma pessoa recordar exactamente que títulos ou números tem de uma dada colecção. Por isso, para quem, como eu, já não consegue ter mão na biblioteca nem memória para tudo o que dela faz parte, a criação de uma lista é uma excelente opção. Fi-la em Excel e acrescentei ao autor, título e editora informação relativa à proveniência de cada volume e, quando se aplica, o valor que paguei por ele (um dia somo tudo e percebo que podia ser milionária!). Tenho a lista guardada no telemóvel e, assim, sempre que estou perante um livro que não sei se tenho e que quero ter, puxo da lista e tiro imediatamente a dúvida. 

Portanto, neste caso a menina já não quererá este livro porque já o tem, mas desejará lê-lo. De momento ainda ando com o Istambul e com um livro sobre a Guerra Civil Espanhola de Juan Eslava Galán, além do Courrier Internacional de Janeiro, da última National Geographic especial História sobre invenções e da última edição da revista Ler, mas mal termine um dos livros acho que vou procurar conhecer A Família Golovliov que tem vivido na minha estante...

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Revistas mudam de mãos

Espero que a venda das revistas do grupo Impresa não lhes altere a qualidade. E se alterar, que seja para melhor. Gosto muito do Courrier Internacional e da Visão História e detestaria vê-los desaparecer ou deixarem de ser bons como têm sido até agora. Também o Jornal de Letras, já com tantos anos de existência, foi vendido e, tendo uma identidade muito própria nas áreas que trata e no modo como o faz, merece continuar e continuar a espalhar pelos leitores o melhor que se faz no nosso mundo literário, artístico e da educação. Já da Visão nem vale a pena falar. Acho que todos já a comprámos, já a conhecemos e sabemos o que esperar dela. Por isso, com tantas boas publicações a mudar de mãos, espero mesmo que o ritmo de publicação e que a qualidade não se ressintam e que possamos continuar a contar com estes periódicos. Num país onde as boas revistas não abundam e onde muitos periódicos internacionais (inclusivamente os espanhóis) chegam com meses de atraso relativamente à data de publicação, o Courrier, a Visão, a Visão História e o JL fazem muita falta. Mudem de mãos, mas não mudem mais a não ser que seja para melhorar 

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

A memória na ponta dos dedos

Tenho inveja dos gatos porque não têm códigos nem passwords para decorar. Já viram a quantidade de coisas que temos de memorizar para podermos fazer as mais variadas coisas? Há dias em que, com tantas informações, um cérebro já não chega e dava jeito ter outro só para estes dados pessoais todos. 

Aliás, parece-me que o próprio cérebro arranja as suas formas para diminuir o trabalho a que é obrigado. Para isso acabamos por arranjar determinadas estratégias que nos ajudem a recordar tudo o que tem de ser lembrado. 

Lembrei-me disto porque para se entrar nos prédios aqui da zona, pode usar-se a chave ou um código. Precisei que a minha mãe viesse cá a casa e, para não acordar o moço com a campainha, resolvi dar-lhe o código da porta. E... foi bonito. Lembrava-me do primeiro algarismo e dos dois últimos. E do segundo? Tive de gesticular sozinha para fazer os movimentos necessários para a introdução do código e só ao fim de um bocado me lembrei. Ou seja: os meus dedos já sabem um código que o meu cérebro preferiu deixar escondidinho lá nas suas profundidades. Bonito, não?

E vocês? Também já têm destes lapsos com os dez milhões de códigos e passwords que devem saber de cor? Ou sou só eu que estou choné?

Exageros

No final do ano passado, cruzei-me numa papelaria com a revista que tem esta capa que aqui deixo. 



Bem sei que as revistas cor-de-rosa são coisas horrendas, mas esta capa causou-me ainda mais nervos do que já é normal. Vejamos: mãe do ano? Porquê? Porque teve um filho com o Cristiano Ronaldo?! Hum... Para mim serão mães do ano e de todos os anos aquelas que se matam a trabalhar para sustentar os filhos, que estão lá para eles, mesmo que o tempo seja pouco, que fazem o ordenado esticar até ao máximo para que os filhos possam andar bem alimentados, vestidos, cuidados. Mães do ano podem ser as que perderam tudo nos incêndios e que se viram do avesso para continuar a sua vida e a dos seus filhos. Mas, claro, para as chamadas “revistas do coração”, estas mães não têm glamour suficiente para serem mães do ano. 

A capa indica também a filha de Ronaldo como “a bebé mais aguardada de sempre”. Sim, porque qualquer mulher que tenha tido filhos aguardou com menor expectativa os seus próprios bebés do que a chegada da filha da Georgina. E vá lá que o determinante usado antes de “bebé” está no feminino, senão a mais nova do CR7 chegava a ser considerada pela revista como o bebé mais aguardado de sempre e lá se ia lugar do Menino Jesus, a.k.a. Messias, como o mais esperado de sempre. 

Se calhar há mesmo por aí doidos que vibram tanto com as vidas alheias que talvez para eles a miúda de um jogador de futebol seja mesmo o bebé mais aguardado do ano. E pode acontecer que essas pessoas creiam que a mãe dessa criança é mesmo a mãe do ano só mesmo pelo facto de a ter dado à luz. Há opiniões para tudo. A mim parece-me tudo de um exagero ridículo. Confesso que quando vi a capa até a considerei um pouco ofensiva precisamente pela escolha das palavras “mãe do ano”, mas no contexto de uma revista cor-de-rosa cujos conteúdos são futilidades, lá terá o seu significado. A quem não gosta dessas publicações e não liga um caracol à vida dos famosos, estas coisas ou não dizem nada ou parecem total e ridiculamente desproporcionadas. É o caso. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Saídas e entradas

Ora bem: deixem-me contar-vos como terminou a porcaria do ano de 2017 e como começou para mim 2018. 

Depois do jantar, ainda antes de o terminar, comecei a sentir-me empanturrada. Às dez da noite parecia saída de uma sequela de O Exorcista. Vomitei à grande. E assim foi a minha noite: uma sucessão de vómitos. Nem champanhe, nem os M&M’s que comemos em vez das passas... Nada. Não tive direito a celebrar o fim de 2017 como queria. 

Mas, ainda assim, foi a loucura porque posso afirmar que fiz a minha primeira directa. Quem é que conseguiria dormir meio sentada devido às dores de estômago e ao medo de vomitar durante o sono? Às três da manhã andava a limpar o chão porque não consegui chegar a tempo à casa de banho e às cinco estava no sofá enrolada num edredão e num cobertor devido aos arrepios de frio e às dores no corpo. A sede era imensa, mas beber água significava vomitar outra vez. Foi tudo muito bom. Até consegui arranjar uma nódoa negra na cara ao tentar rapidamente levantar o tampo da sanita num dos ataques de vómito incontrolável. Desculpem-me o grafismo da coisa, mas é para verem como foi terrível. 

Portanto, 2017 foi tão mau para mim que até para acabar deu chatices. E, depois de um ano assim, começar outro desta forma... Ninguém merece. Vamos deixar a mariscada para outro dia em que celebraremos como se fosse novamente o primeiro dia do ano. Mas já ninguém me tira a lembrança de um ano que até para terminar foi ranhoso.