quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

História da Vida Privada em Portugal: A Época Contemporânea - o balanço


Nem sempre a História olhou para a privacidade dos lares por isso habituámo-nos a entender o estudo do passado como algo que olhava para a economia e para os movimentos sociais, esquecendo que dentro destes existiam indivíduos e que a sua vida ia muito além da sua integração numa economia e numa sociedade. Felizmente, isso acabou por mudar e alguns historiadores começaram a compreender que o estudo das diferentes épocas ficava definitivamente incompleto se não se olhasse para aspectos tão privados como a moda, os sonhos e ambições da população, a alimentação, as crenças religiosas, a vida em família, as ocupações lúdicas, a estrutura das habitações, entre outros muitos aspectos.

Esta História da Vida Privada é composta por quatro volumes que, receio, já não sejam assim tão fáceis de encontrar. Podem ser utilizados como livros de consulta, mas resulta muito bem ler cada volume de uma ponta a outra. A visão que assim formamos de uma determinada época torna-se mais completa e consistente, o que me parece importante.

O terceiro volume, aquele que escolhi ler em primeiro lugar por tratar de uma época (de 1820 a 1950) que figura nos romances camilianos e queirosianos, apanhando ainda a I República e os primeiros tempos do Estado Novo, permite-nos ficar com uma ideia muito concreta do que eram as vivências mais íntimas da população durante aqueles cento e trinta anos. Uma coisa interessante que retive foi a grande evolução das liberdades individuais até à década de 30 do século XX. A República prometia mudar a sociedade e começou mesmo a fazê-lo, alterando medidas relativas ao divórcio, à participação das mulheres na sociedade, entre outros aspectos. Contudo, a chegada do Estado Novo fez com que o relógio português andasse irremediavelmente para trás e com que o papel de dona de casa fosse o único aceite pelo regime para as mulheres. 

Ter uma noção do que aconteceu durante a época abordada em cada volume é importante porque nenhum indivíduo age fora do período histórico em que lhe coube viver. Não esperem, contudo, ser situados historicamente nestes livros, pois para isso existem os outros, os que se dedicam à História económica, política e social. No entanto, é mesmo importante ter uma noção básica de quais os grandes marcos destes cento e trinta anos analisados neste volume de modo a percebermos que o que era constante na vida privada de 1820 poderia já não o ser em 1950, precisamente porque muito mudou entre uma baliza temporal e a outra. 

O único aspecto menos positivo que verifiquei neste livro prende-se com algumas expressões que não são muito claras e que não são alvo de nota de rodapé. Não sei se será por se tratar de conhecimento pressuposto (como a referência aos «cabelos à Joãozinho»), mas senti a falta de algumas notas de rodapé que, mais do que indicarem as fontes, explicitassem melhor alguns aspectos referidos. Também senti que poderia haver mais ilustrações. Nestes volumes, elas são de dois tipos: a preto e branco nas páginas de texto e a cores nas páginas destinadas à exibição de imagens capazes de ilustrar o assunto abordado. Ora, as imagens coloridas, agrupadas em páginas em diferentes secções do livro, mais não são do que a repetição a cores e com melhor resolução daquelas que já havíamos visto a preto e branco com legendas nas páginas de texto. Creio que, em vez da redundância de fotografias, seria mais enriquecedor a inclusão de novas imagens, diferentes das que já haviam sido vistas no momento da leitura do texto.

Excluindo estes dois aspectos, asseguro-vos de que é um livro extraordinariamente interessante. Aborda muitas áreas da vida dos portugueses de oitocentos e da primeira metade de novecentos e permite-nos ver o quanto a vida mudou não só durante aquele período, mas também de meados do século XX até agora. Para quem, como eu, tem família noutros pontos do pais, o livro torna-se ainda mais interessante por revelar pormenores relativos às diferentes regiões, como, por exemplo, que pão se comia no Minho, como se realizavam casamentos na Beira Alta, por que motivo o catolicismo teve mais dificuldade em chegar às gentes do Alentejo, entre outros aspectos. Gostarei de ler o resto da colecção, embora não já de imediato, porque ainda se trataram de quase quinhentas páginas de informação interessante para digerir. Mas não deixo de vos sugerir estes volumes.

4 comentários:

  1. O estudo apresentado nos livros é interessantíssimo.
    (Mais um a juntar à lista de reedições necessárias)

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  2. Ando atrás desta colecção há que tempos... Onde arranjou? Grata por ter falado nisto, eu acho interessantíssimo.

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    1. Olá. Eu comprei-a na FNAC quando ainda estavam todos os volumes disponíveis. Sei que agora este está esgotado. Sugiro-lhe que tente encontrá-lo em alfarrabistas. Talvez na Feira do Livro. Há um alfarrabista cuja loja se chama Frenesi (procure no Google que encontra facilmente) que por vezes arranja destas coisas. A mim conseguiu arranjar-me o 3.° volume da História das Mulheres. Tente, pode ser que consiga. :)

      Boas leituras e obrigada pela visita.

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    2. Vou fazer isso, muito obrigada!
      Vou passando por aqui, gosto particularmente das referências literárias =)

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